*Por José Manoel Ferreira Gonçalves
Currículo: https://bit.ly/3U8Ltol
Urgência Ignorada, Consequências Sentidas
Um problema crônico e previsível assola o município de Guarujá: as enchentes devastadoras que, ano após ano, provocam estragos inestimáveis. Contudo, parece que a administração pública local acorda para tal calamidade apenas sob a iminência do caos. A solicitação de um montante que beira o irrisório, em face das necessidades prementes e do poder econômico do Estado de São Paulo, expõe uma incoerência flagrante que merece análise.
É inegável o clamor por dados que comprovem essa demora reiterada na ação da prefeitura. No entanto, mesmo sem estatísticas abrangentes na ponta dos dedos, a população que sofre as consequências de uma governança ineficaz não carece de números para reconhecer a realidade. Entre o brotar das águas e o ato de pleitear recursos, criou-se um abismo de tempo em que a ação preventiva poderia ter sido eficaz. Desse modo, destaca-se a urgência de uma mudança de paradigma na forma como a administração lida com essa endêmica situação.
Valor Irrealista, Necessidades Amplas
O valor solicitado pela prefeitura, de 203 milhões, é um reflexo de uma dinâmica maior de descompasso entre recursos requeridos e necessidades reais. O montante, quando contrastado com a dimensão do problema e aos cofres robustos do governo estadual, beira o risível. O poderio econômico do Estado de São Paulo, uma das unidades federativas mais prosperas do país, certamente comporta mais do que uma ajuda paliativa. Esse cenário leva a questionar seriamente as razões por trás de uma solicitação que não condiz com a realidade enfrentada pelos guarujaenses.
Ao adotar uma postura mais proativa e menos conformada com a insuficiência dos recursos, seria possível esperar resultados mais efetivos. Há uma lacuna entre o solicitado e o ideal, um fosso que separa a esperança de dias melhores da vivência diária de quem reside no litoral paulista. E enquanto esse desequilíbrio persistir, a prevalência de enchentes em Guarujá continuará sendo uma chaga aberta, sinalizando a carência de um planejamento de longo prazo executado com perspicácia e fundamentado em uma avaliação realista das demandas.
A Hipocrisia da Culpa Geográfica
É, por vezes, cômodo imputar à geografia o papel de vilã nas tragédias naturais. No caso de Guarujá, essa narrativa se revela particularmente hipócrita. Apesar de suas características topográficas e meteorológicas propícias a inundações, o município não está fadado ao eterno sofrimento se medidas adequadas forem adotadas. A falta de efetividade da governança local ao lidar com essas questões não pode ser ocultada atrás do manto de uma suposta fatalidade geográfica. É mister reconhecer a procrastinação e a falta de visão estratégica como raízes dessa incapacidade.
A ironia se faz presente quando se evidencia que o conhecimento sobre as peculiaridades do relevo guarujaense não é novidade nem de difícil acesso. Tal sabedoria poderia e deveria ser transmutada em ações concretas que antecipassem os prejuízos, ao invés de atuar como justificativa para a inação. Então, por que persiste o ciclo vicioso em que a reação surge tardiamente, quando a água já galgou muros, invadiu casas e arruinou vidas?
Quando o Mal se Instala: Ação x Planejamento
As medidas adotadas até o presente deixam transparecer uma tendência à reação em detrimento do planejamento. Essa abordagem reativa permite que o mal se instale, ganhando força e vitimizando cidadãos. Uma governança pautada pela prevenção, por sua vez, tem o potencial de mudar a narrativa, interrompendo a sequência de perdas e danos que marcam a história recente de Guarujá. A solicitação de mais recursos junto ao estado, portanto, deveria ser acompanhada de um plano robusto e implementado muito antes dos primeiros sinais de tempestade.
O Respeito que Guarujá Merece
Finalmente, é preciso ressaltar que Guarujá e seus habitantes merecem respeito. Um respeito que se traduza em ações assertivas e planejamento meticuloso, capazes de proporcionar segurança e bem-estar a todos. Ao invés de continuar no ciclo de pedir recursos uma vez que o desastre já se instalou, a governança local tem o dever de assegurar que Guarujá não seja constantemente lembrada pela sua vulnerabilidade às enchentes, mas sim pela sua resiliência e capacidade de superação. Para isso, é urgente que ações efetivas sejam tomadas, com especial ênfase no desenvolvimento urbano sustentável e na infraestrutura preventiva.
O Imperativo da Mudança
O que se observa em Guarujá exige uma reflexão mais profunda sobre como os recursos são solicitados e geridos. É tempo de mudança, de passar da reatividade à proatividade. De realizar investimentos apropriados em obras de infraestrutura que sejam duradouras e eficazes. Mas o que se vê é uma falta de criatividade e da falta de conhecimento técnico impressionante. Gente inculta ocupando cargos de importância que tomam decisões politicamente e administrativamente sérias sem o menor preparo. Às vezes fico duvidando da real condição de pensar dessa gente.
Acima de tudo, é hora de revitalizar uma governança que até agora não demonstrou capacidade para prevenir as tragédias previsíveis. Guarujá não pode esperar mais – o momento de agir é agora.
*José Manoel Ferreira Gonçalves, é engenheiro, advogado, escritor e jornalista. Preside a ÁGUAVIVA, Associação Guarujá Viva e a FERROFRENTE, Frente Nacional pela Volta das Ferrovias.
Fontes de dados: Este artigo foi baseado principalmente no comunicado oficial do governo municipal de Guarujá, disponível em sua página web, complementado por informações sobre o poder econômico do Estado de São Paulo e práticas de gestão de desastres naturais obtidas através de pesquisa na Internet.