MPF reinicia investigação no Canal de Bertioga (SP)

Carlos Ratton – 11/11/2025

Fotos: Tony Valentte/Divulgação

O Ministério Público Federal (MPF) reiniciou o procedimento envolvendo a denúncia veiculada no final do ano passado dando conta de ocupações supostamente irregularidades causando prejuízos ambientais no Canal de Bertioga. O órgão transformou a Notícia de Fato (denúncia) em Processo Administrativo.

Além disso, foi agendada uma reunião virtual para o próximo 26, às 15 horas, com a participação da Associação Água Viva e seus parceiros, bem como da Capitania dos Portos, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA e Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB).

O presidente da Água Viva, José Manoel Ferreira Gonçalves (foto), indicou alguns representantes para acompanhar a reunião, considerada fundamental para contribuir com informações e posicionamentos que reforcem a importância da fiscalização e da preservação do Canal.

Eng. José Manoel Ferreira Gonçalves, presidente da Água Viva, Associação Guarujá Viva

Parado

O Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente (COMDEMA) de Guarujá aprovou, já em sua primeira assembleia ordinária do ano, a criação de um Grupo de Trabalho (GT) para tratar de investigar e deliberar sobre a denúncia, mas o órgão vem adiando reuniões envolvendo o caso.

Há indícios consistentes de ocupação desordenada dos mangues do entorno do canal, que inclui a transformação de áreas públicas e preservação permanente em espaços privados por marinas.

As intervenções têm causado impactos não só no manguezal – berçário de inúmeras espécies – como tirando o sustento de pescadores caiçaras que sobrevivem da pesca artesanal. “O que estamos vendo e um avanço desordenado, prejudicando a pesca e inviabilizando uma política de turismo sustentável. Ha uma falta total de governança na área e a conivência do poder público tem permitido essas irregularidades”, destaca Jose Manoel Gonçalves.

A Água Viva e o Instituto Maramar relataram problemas enfrentados, mencionando ainda os efeitos de empreendimentos no Porto de Santos para os pescadores locais. O procurador incentivou o envio de imagens e documentos que comprovassem as supostas irregularidades na área em questão.

A Coordenadoria da Baixada Santista e Vale do Ribeira da Secretaria de Patrimônio da União (SPU) notificou as marinas, incluindo as duas que possuem condomínios, que estão estabelecidas no Canal de Bertioga.

Seis ações demolitórias foram expedidas, segundo o coordenador regional da SPU, Emerson Santos. Ele já havia adiantado que muitas marinas ampliaram seus espaços, supostamente sem autorização. Santos chegou a cobrar da Prefeitura de Guarujá fiscalização das ocupações atuais e futuras, visto que as marinas são acessadas também por terra.

De Barco

Ao percorrer de barco o Canal de Bertioga, a Reportagem detectou supostos abusos e irregularidades em Área de Preservação Permanente (APP) existente em toda extensão do canal, por causa do mangue e a biodiversidade nele inserida.

Há uma certa falta de isonomia. Enquanto uma família de pescador é rigorosamente fiscalizada e sequer pode reparar um pequeno píer de madeira, que não causa praticamente impacto ambiental, os milionários podem, por exemplo, manter um píer de alvenaria cortando parte do canal de navegação para atracar lanchas, iates e outras embarcações de recreio.

E mais. Praticamente sem regras e fiscalização, constroem residências luxuosas, delimitam com boias e cordas o espaço aquático e mantém guaritas de segurança particular, que expulsa pescadores que se aproximam.

Vale lembrar que manguezais – que ocupam toda a extensão do canal – são considerados berçários do mar, pois são locais de reprodução de diversos peixes, crustáceos e moluscos, além de outras espécies marinhas que procuram as águas calmas e ricas em matéria orgânica para desovar. Tamanha biodiversidade aquática também atrai aves e mamíferos. No caso em questão, há anos que se registra queda dessas espécies no canal.

Foram descobertas duas dragas para aprofundar a área de manobra para atracação de lanchas e iates em frente aos imóveis, construídos em área de mangue visivelmente aterrada. A Reportagem chegou a flagrar dois postos de combustível para abastecer embarcações também sobre o mangue, que estariam regularizados por conta de compensações ambientais.

A construção ou qualquer intervenção humana em APP apenas será permitida se enquadrada dentro do que o Código Florestal (Lei 12.651/12). Ele estipula a forma sustentável e ecologicamente correta de se fazer ou se estabelecer. Caso contrário, a ação poderá ser enquadrada como infração administrativa e crime ambiental.

O novo Código Florestal (Lei 12.651/12) estabelece como regra a proibição de construções em APP. Em seu 8º artigo estabelece que, excepcionalmente, é possível construir ou fazer outro tipo de intervenção somente em quatro casos: utilidade pública, interesse social, atividades eventuais ou de baixo impacto, em casos de pequena propriedade ou posse rural familiar ou atividades de aquicultura.