Pescaria proibida no Governo Federal

O ex-secretário nacional de portos e transportes aquaviários, Diogo Piloni e Silva, trocou a Secretaria por um cargo na empresa suíça Terminal Investments Limited (TIL). Até aí, nada demais. O problema são as circunstâncias em que essa troca foi realizada.

A TIL é a multinacional controladora da Brasil Terminais Portuários (BTP), cujo pedido de prorrogação de arrendamento de um terminal na região portuária de Santos foi aprovado em tempo recorde: 15 dias após o recebimento do ofício, conforme descreveremos adiante.

Ressaltamos, que, ao deixar a função de secretário de portos, ele não poderia ser contratado por nenhuma empresa, muito menos alguma empresa que por ventura ele tenha beneficiado de forma direta ou indireta. Piloni assumiu o cargo após ter pedido dispensa do cumprimento da quarentena exigida por lei.

A AGUAVIVA, Associação Guarujá Viva, representada pelo seu presidente, o engenheiro José Manoel Ferreira Gonçalves, apresentou no dia 05 de setembro de 2022 recurso à Comissão de Ética da Presidência da República, solicitando, em razão de alegado conflito de interesse, que seja reconsiderada a dispensa do ex-secretário Nacional do Portos do cumprimento da quarentena imposta pela Lei 10.813/2013, tendo em vista o interesse em assumir cargo privado. A troca da Secretaria Nacional de Portos, por um cargo em na empresa TIL com a qual o então secretário, Diogo Piloni e Silva, lidava diretamente, desperta inúmeros questionamentos no mercado de logística, sem falar do desconforto e insegurança diante do futuro rumo da privatização dos portos.

Para entender melhor:

Em 14 de novembro de 2021, quatro meses antes de receber uma proposta para deixar o governo federal, o então secretário Diogo Piloni e Silva assinou decisão que deferiu o pedido da BTP para a prorrogação do arrendamento de um terminal na região portuária de Santos de uma empresa controlada pela multinacional que o contratou. O ato não ganhou publicidade no Diário Oficial da União, ficando restrito aos sistemas internos do Ministério da Infraestrutura. Tal decisão consta apenas dos sistemas processuais internos do governo federal. A falta de publicidade tem como base um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU), de 2020, que trata da desnecessidade de publicação quando o ato for “tão somente para dar andamento” a um processo administrativo.

Um dos detalhes mais espantosos é que diversos requerimentos da BTP foram analisados pelo então secretário Piloni, em especial o aditivo da BTP e a aprovação da renovação antecipada do arrendamento da BTP, que ocorreu em um prazo de tramitação recorde de 15 dias (da sua chegada à secretaria até a assinatura de renovação do contrato), um fato inédito no setor.

Segundo apuração da imprensa, a proposta de trabalho para o então secretário integrar os quadros da TIL foi formalizada em 31 de março. O convite era para atuar em uma joint-venture da TIL com a APM Terminal.

Piloni deu ciência à Comissão de Ética da Presidência da República (CEP) em abril de 2022 sobre a proposta que recebeu da TIL. Nos autos do processo, admitiu ter tido acesso a “informações privilegiadas” e que “manteve relacionamento relevante” com a BTP, controlada pela TIL.

Requereu urgência na apreciação da consulta, uma vez que a proposta de trabalho feita pela TIL demandava uma rápida resposta, pois a função na empresa privada seria assumida imediatamente.

Ao analisar a consulta, a CEP reconheceu a relevância do cargo então exercido pelo consulente, porém, contraditoriamente, decidiu por dispensar o então Secretário Nacional de Portos e Transportes Aquaviários da quarentena legal para assumir cargo na TIL. Em junho, ele anunciou sua saída do governo.

O fato é que o então secretário foi no mínimo imprudente ao tratar dos pleitos formulados pela BTP, empresa controlada pela sua atual empregadora, o que demandaria a análise pela CEP de possível impedimento ético para exercer o cargo privado na TIL.

Pedidos semelhantes ao da BTP pela prorrogação de arrendamentos na mesma região chegaram a ser negados pela gestão de Piloni à frente da Secretaria do Portos. Um dos casos diz respeito ao arrendamento de um terminal de contêineres da Marimex, cujo pedido de prorrogação foi rejeitado pelo ex-secretário. A decisão foi revertida pelo Tribunal de Contas da União (TCU), a pedido da própria empresa, com apoio da Associação Brasileira de Terminais e Recintos Alfandegários (Abtra).

A Abtra tem entre suas associadas empresas como a Santos Brasil e a DPW, que adquiriu a Embraport, antigo braço portuário da Odebrecht, e trava uma guerra contra a TIL pelo controle dos terminais de contêineres em Santos. A disputa, que envolve trocas de acusações, fez com que o Cade abrisse uma investigação para apurar práticas anticompetitivas da empresa suíça. Trata-se de uma disputa entre players que são potenciais concorrentes pela privatização do Porto de Santos, cujo edital foi divulgado em setembro de 2022.

Leia matéria publicada no Estadão

Piloni ocupou cargos de gestão no setor portuário nos governos Dilma Rousseff (PT), MichelTemer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL). Foi presidente do conselho da Companhia de Docas do Rio, diretor da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) e diretor da Secretaria do Programa de Parcerias de Investimentos, antes de assumir a Secretaria dos Portos na atual gestão, em janeiro de 2019, no início do governo.