Em Bertioga, cinco famílias de pescadores artesanais estão sendo empurradas para a vulnerabilidade social devido a uma ação de reintegração de posse promovida pelo Departamento de Estradas de Rodagem (DER).
A situação configura uma violação da Constituição, que assegura o direito à moradia como um direito social fundamental, garantindo a todos os cidadãos acesso a uma habitação digna, segura e adequada, além de ferir os princípios dos Direitos Humanos.
Há meses, essas famílias, incluindo três crianças com idades entre três e quatro anos, vivem em condições precárias de habitação, expostas a graves riscos à saúde física e mental. As dificuldades econômicas e sociais agravam ainda mais a situação, especialmente devido às multas e ameaças de remoção feitas pela Polícia Ambiental.
Essas famílias fazem parte de uma comunidade tradicionalmente vinculada à pesca artesanal. Antes da ordem de despejo recebida há três meses, moravam em pequenos casebres de madeira sob a Ponte do Rio Guaratuba, local que usavam como teto por cerca de três décadas. Atualmente, estão abrigadas nas proximidades do rio, ainda dentro do Parque Estadual Restinga de Bertioga (PERB), administrado pelo Instituto Florestal.
Desde a criação do Parque, em 2010, as famílias têm se sentido desrespeitadas, pois não foram reconhecidas como comunidade tradicional. Hoje, enfrentam sérias dificuldades para encontrar uma área adequada para morar e para garantir condições dignas de sobrevivência, já que dependem exclusivamente da pesca artesanal.
“Sou pescadora. Trabalho no Rio Guaratuba há uns 29 anos. A maioria dos pescadores não é alfabetizada. Fomos tirados de nossos barracos sem nenhum apoio, e a única solução que nos ofereceram foi um albergue. Sem saída e condições, invadimos outra área também às margens do rio, de onde tiramos nosso sustento. Estão novamente querendo nos tirar. Estamos sendo pressionados psicologicamente e recebendo multas. Estão considerando que somos invasores e não pescadores”, afirma Mislane Valentim, integrante da Associação dos Moradores da Região do Entorno do Rio Guaratuba de Bertioga, criada para buscar direitos.
Conforme apurado, a alegação é de que essas cinco famílias causariam impacto ambiental devido à reprodução de seus modos de vida, afetando a mata de restinga, os recursos hídricos, os manguezais e o espaço aquático. Entretanto, atividades turísticas, como visitações à Trilha d’Água e à Trilha do Guaratuba, são permitidas e oficialmente operacionalizadas.
O Parque Estadual Restinga de Bertioga, criado em 9 de dezembro de 2010 como Unidade de Conservação de Proteção Integral, é administrado pela Fundação Florestal e ocupa 9.312,32 hectares, totalmente localizados no município de Bertioga.
PROJETO
Até o momento, não há projetos no litoral paulista que protejam famílias ribeirinhas caiçaras ou que permitam ocupações controladas voltadas para subsistência, preservação da vida e sustentabilidade alimentar. No entanto, a especulação imobiliária segue em expansão, possibilitando a construção de condomínios e marinas de alto padrão em Áreas de Preservação Permanente (APP), conforme já denunciado em reportagens do Diário do Litoral, incluindo o audiovisual “Milionários de Mangue” (assista aqui).
PREFEITURA
A Prefeitura de Bertioga, por meio do cadastro no Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), realiza o acolhimento de famílias em situação de vulnerabilidade social. O objetivo é identificar as necessidades e oferecer suporte adequado. Para famílias enfrentando problemas de habitação, a Prefeitura orienta o cadastro nas unidades de assistência social para encaminhamento a programas de apoio conforme as demandas específicas.
DER
O Departamento de Estradas de Rodagem (DER) informou que, em 11 de setembro de 2024, cumpriu o mandado judicial nº 075.2024/005826-1, realizando a reintegração de posse na faixa de domínio sob a Ponte sobre o Rio Guaratuba, no km 197 da Rodovia Doutor Manoel Hyppólito Rego (SP 055). Segundo o DER, “zelar e proteger a faixa de domínio das rodovias é importante para evitar riscos aos ocupantes e à estrutura viária”. A operação, segundo o órgão, foi conduzida de forma pacífica para garantir o cumprimento da ordem judicial.
INSTITUTO FLORESTAL
O Instituto Florestal não se manifestou sobre o caso.
ÁGUA VIVA
Guarujá, 20 de dezembro de 2024 – A AGUAVIVA – Associação Guarujá Viva, enviou nesta quinta-feira, 20 de dezembro de 2024, um ofício ao Conselho Tutelar de Bertioga solicitando imediato para a proteção de crianças que vivem em situação de vulnerabilidade em uma comunidade de pescadores artesanais ribeirinhos na região.
A comunidade, tradicionalmente vinculada à pesca artesanal, enfrenta uma pressão crescente para abandonar suas moradias. As famílias estão sendo alvo de coações, multas e ameaças de remoção por parte do DER – Departamento de Estradas e Rodagens. Em um processo judicial anterior, as famílias foram forçadas a deixar o local onde sobreviviam, sob a ponte, e agora se encontram na Rodovia Doutor Manoel Hipólito do Rego, no Loteamento Costa do Sol, em Bertioga.
Dentre as famílias afetadas, três crianças, com idades de 03 e 04 anos, estão vivendo em condições de habitação precárias, expostas a sérios riscos à saúde física e mental. As dificuldades econômicas e sociais tornam a situação ainda mais alarmante. A AGUAVIVA destaca que as mães e responsáveis dessas crianças expressaram a necessidade urgente de apoio do Conselho Tutelar, principalmente devido ao receio que ações de boa fé do próprio conselho acabem gerando mais insegurança e apreensão nas famílias.
A AGUAVIVA solicita que o Conselho Tutelar de Bertioga se desloque até o local para prestar assistência direta e garantir os direitos fundamentais dessas crianças, incluindo a segurança, o acesso a moradia digna e a continuidade de suas práticas tradicionais.
“Acreditamos que a abordagem do Conselho Tutelar deve ser realizada de forma humanizada e sensível, respeitando as vulnerabilidades dessas famílias e sem impor medidas burocráticas que possam agravar ainda mais a situação já delicada em que se encontram.”
Eng. José Manoel Ferreira Gonçalves, Presidente da AGUAVIVA – Associação Guarujá Viva
Diante da gravidade do caso, a AGUAVIVA espera que o Conselho Tutelar atue com urgência, colaborando para a proteção das crianças e o apoio às famílias em situação de extrema vulnerabilidade. A Associação permanece à disposição para fornecer informações adicionais e acompanhar de perto os desdobramentos da ação.