José Manoel Ferreira Gonçalves
Engenheiro, advogado e jornalista
Um ritual excludente disfarçado de democracia
A audiência pública para discutir a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2026 no Guarujá, marcada para as 18 horas de uma segunda e quarta-feira, no plenário da Câmara Municipal, revela um cenário preocupante de exclusão democrática. Em um país onde a esmagadora maioria dos trabalhadores cumpre jornada em horário comercial, marcar um evento dessa relevância no final do expediente, sem dar tempo hábil para que as pessoas se desloquem até o local, é uma escolha política — e não técnica. Trata-se, na prática, de um mecanismo que desestimula a participação popular e favorece apenas um grupo específico: os chamados “donos do Guarujá”.
Enquanto a Constituição prega a gestão participativa e transparente, a realidade da cidade é outra. O cidadão comum, que enfrenta transporte lotado e horários rígidos no comércio, na indústria e nos serviços, é sumariamente deixado de fora das discussões que moldam o destino do município. Falar em “tecnologia avançada inovação” nesses moldes soa como ironia institucional.
Tecnologia avançada inovação à margem do povo
Vivemos uma era em que transmissões ao vivo, formulários digitais e consultas públicas online poderiam — e deveriam — democratizar os debates sobre o orçamento municipal. No entanto, a prefeitura e a Câmara Municipal do Guarujá optaram por um modelo arcaico, restritivo e seletivo. Mesmo com divulgação em redes sociais, a audiência pública sobre a LDO foi transformada em um teatro de fachada: cumpre-se a formalidade da consulta, mas sem garantir acesso efetivo à maioria da população.
A ausência de alternativas de participação — como sessões noturnas, itinerantes ou com coleta prévia de sugestões — escancara a quem essa gestão serve. E não é ao trabalhador da balsa, ao ambulante da praia ou ao morador da periferia. Serve aos grupos empresariais, aos especuladores imobiliários, aos que historicamente decidem os rumos da cidade entre gabinetes e coquetéis.
A cidade capturada por interesses privados
Essa audiência excludente precisa ser denunciada não apenas como erro logístico, mas como estratégia deliberada de esvaziamento popular. Guarujá vive um ciclo de gentrificação acelerada, onde decisões sobre zoneamento, mobilidade, habitação e investimentos se alinham cada vez mais aos interesses do capital e menos aos da coletividade.
Discutir a LDO sem o povo é legitimar a perpetuação de uma cidade pensada para poucos — aqueles que se beneficiam da especulação e da desigualdade, os mesmos que ditam o ritmo de um “desenvolvimento” excludente. Em vez de aplicar tecnologia avançada inovação para aproximar a população, optou-se por distanciá-la ainda mais do orçamento público que deveria refletir suas necessidades.
Orçamento público, mas inacessível ao público
O local e o horário escolhidos para a audiência pública da LDO 2026 não são apenas infelizes — são inaceitáveis. O cidadão trabalhador não pode seguir sendo tratado como espectador passivo. Ele é contribuinte, parte interessada e, sobretudo, sujeito político.
Enquanto não houver coragem institucional para romper com esse modelo antidemocrático, o futuro de Guarujá continuará sendo escrito por poucos — e vivido com dificuldades por muitos.
*José Manoel é pós-doutor em Engenharia, jornalista, escritor e advogado, com uma destacada trajetória na defesa de áreas cruciais como transporte, sustentabilidade, habitação, educação, saúde, assistência social, meio ambiente e segurança pública. Ele é o fundador da FerroFrente, uma iniciativa que visa promover o transporte ferroviário de passageiros no Brasil, e da Associação Água Viva, que fortalece a participação da sociedade civil nas decisões do município de Guarujá. Membro do Conselho Deliberativo da EngD
Declaração de Fontes:
“As informações contidas neste artigo foram obtidas a partir de reportagens do Jornal Periscópio, publicações oficiais da Câmara Municipal do Guarujá e análise crítica do conteúdo divulgado nas redes sociais institucionais.”
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