*Por José Manoel Ferreira Gonçalves
A crise no transporte coletivo de Guarujá não é um acidente: é o resultado previsível de um modelo privatista que coloca o lucro acima do direito à mobilidade. A City Transportes, concessionária que opera o sistema, suspendeu serviços essenciais — incluindo linhas gratuitas e o transporte de pessoas com deficiência — sem aviso prévio, deixando milhares de cidadãos à deriva. Enquanto isso, a Prefeitura reduziu os repasses à empresa em 60%, de R$ 7 milhões para para R$ 4,2 milhões em janeiro de 2025, uma medida que, embora justificada como “economia”, expõe a falência de um sistema que já recebeu R$ 380 milhões em subsídios nos últimos quatro anos sem entregar qualidade.
A City opera em regime de monopólio, sem pressão por eficiência. a população é refém de um modelo que prioriza acionistas, não passageiros.
Empresa Pública: Não é Utopia, é Necessidade Imediata
A defesa de uma empresa estatal não é ideologia — é pragmatismo. Em Guarujá, onde 75 mil passageiros dependem diariamente do transporte coletivo, a gestão pública poderia:
- Cortar custos inflados: Redirecionar os R$ 20 milhões economizados com contratos na educação para subsidiar tarifas justas e expandir a frota.
- Garantir transparência: Acabar com as “inconsistências fiscais” identificadas pelo Grupo Técnico de Trabalho (GTT) 28, que investiga repasses questionáveis à City.
- Priorizar direitos, não lucros: Assegurar que serviços como o transporte gratuito para pessoas com deficiência nunca sejam interrompidos por disputas financeiras.
Experiências que Funcionam: Do Brasil à Europa
Enquanto a mídia corporativa repete o mantra da “eficiência privada”, exemplos reais mostram o contrário. Em São Paulo, a CMTC (Companhia Municipal de Transportes Coletivos) operou por décadas com tarifas estáveis e cobertura ampla antes da privatização dos anos 1990. Na Alemanha, empresas públicas como a BVG (Berlim) mantêm 99% de pontualidade e tarifas sociais. Em Guarujá, uma empresa estatal poderia iniciar com linhas estratégicas — como as gratuitas ou as que atendem hospitais — para demonstrar que é possível conciliar eficiência e interesse público.
A Fraude do “Risco Fiscal” e a Hipocrisia dos Subsídios Privados
A City alega não ter recebido R$ 50 milhões da Prefeitura, mas omite que, em 2024, arrecadou R$ 160 milhões apenas com tarifas. Enquanto isso, trabalhadores da empresa enfrentam atrasos salariais e jornadas exaustivas de 11 horas sem vale-refeição, um escândalo que revela como o lucro privado se alimenta da precarização laboral. Privatizar setores sem concorrência é um assalto legalizado, onde o cidadão paga duas vezes: via impostos (subsídios) e via tarifas abusivas.
Chamado à Ação: Chega de Passividade!
A Prefeitura tem a obrigação de:
- Criar imediatamente uma empresa pública de transporte, mesmo que em modelo misto inicial, para romper o monopólio da City.
- Exigir a devolução de recursos desviados por meio de ações judiciais por danos morais coletivos, como já sinalizado.
- Regulamentar tarifas com base em custos reais, não em margens de lucro fictícias.
A redução de repasses à City não é “economia”: é um remendo em um sistema putrificado. Enquanto o transporte for tratado como mercadoria, Guarujá continuará refém de greves, superfaturamento e serviços medíocres. É hora de ousar: uma empresa pública não é gasto — é investimento em dignidade.
*José Manoel é pós-doutor em Engenharia, jornalista, escritor e advogado, com uma destacada trajetória na defesa de áreas cruciais como transporte, sustentabilidade, habitação, educação, saúde, assistência social, meio ambiente e segurança pública. Ele é o fundador da FerroFrente, uma iniciativa que visa promover o transporte ferroviário de passageiros no Brasil, e da Associação Água Viva, que fortalece a participação da sociedade civil nas decisões do município de Guarujá. Membro do Conselho Deliberativo da EngD
Declaração de Fontes: Dados compilados a partir de decisões judiciais, relatórios técnicos da Prefeitura, e artigos sobre privatização.